A diabetes tipo 1 é uma doença autoimune crónica em que o próprio sistema imunológico do paciente ataca e destrói as células necessárias para produzir a insulina para controlar os níveis de açúcar no sangue. Os médicos geralmente diagnosticam esse tipo de diabetes na infância ou no início da idade adulta. Embora a causa exacta da diabetes tipo 1 seja desconhecida, novas pesquisas sugerem que os vírus do intestino poderão desempenhar um papel importante.
Uma equipa de investigadores da Washington University School of Medicine em St. Louis, liderada pelo Professor Herbert Virgin e pelo Dr. Guoyan Zhao, descobriu que certos vírus no intestino podem tornar a pessoa mais susceptível de desenvolver diabetes tipo 1.
A ligação entre os vírus intestinais e a diabetes tipo 1
Para o estudo, a equipa usou amostras de fezes de um estudo anterior – por Mikael Knip, MD, Ph.D, da Universidade de Helsínquia, e Ramnik Xavier, MD, Ph.D, do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School – em que analisaram a flora intestinal bacteriana de 33 crianças portadoras de genes que aumentam o risco de desenvolver a diabetes tipo 1.
Todos os meses, os pesquisadores colectavam amostras de fezes dessas crianças desde o nascimento até os três anos de idade. Para além disso, os investigadores monitorizaram as crianças para o desenvolvimento de auto-anticorpos que atacam células produtoras de insulina no pâncreas e diabetes tipo 1. Em conclusão, a equipa relatou alterações significativas na diversidade das espécies bacterianas no intestino antes do diagnóstico. Este estudo, no entanto, apenas analisou as bactérias no intestino – e não vírus.
Com base nesses resultados, o professor Herbert Virgin e o Dr. Guoyan Zhao seleccionaram cuidadosamente 11 crianças que adquiriram auto-anticorpos (cinco delas desenvolveram diabetes tipo 1) e 11 crianças que não desenvolveram auto-anticorpos ou a doença.
Usando as mesmas amostras, a equipa analisou os vírus que estavam presentes em amostras mensais de fezes dessas 22 crianças. Eles descobriram que as crianças cujas comunidades virais no intestino eram menos diversas eram mais propensas a gerarem anticorpos autodestrutivos que podem levar à diabetes tipo 1.
Um vírus pode oferecer proteção contra a doença, enquanto outros podem aumentar o risco de diabetes
Para além disso, a equipa descobriu um vírus específico pertencente à família Circoviridae, que é inofensivo para os humanos, e que parece ter efeitos protetores. As crianças que carregavam o vírus eram menos propensas a desenvolverem a doença mais tarde na vida.
Os investigadores também identificaram um outro grupo de vírus, chamados de bacteriófagos. Esses vírus podem infectar certas bactérias do intestino. Quando as crianças carregavam bacteriófagos que visavam um dos principais grupos de bactérias intestinais (bacteróides), os investigadores relataram um risco aumentado de desenvolverem anticorpos e diabetes tipo 1.
“Nós identificamos um vírus que foi significativamente associado com risco reduzido e outro grupo de vírus que foi associado com maior risco de desenvolvimento de anticorpos contra células próprias das crianças”, disse o professor Herbert Virgin, autor sénior do estudo. “Parece que o equilíbrio desses dois grupos de vírus pode controlar o risco de desenvolvimento de anticorpos que podem levar à diabetes tipo 1”.
Ele acrescentou que existem muitas doenças autoimunes nos dias de hoje, o que pode ser devido ao facto de nos termos tornado pouco saudáveis por não termos os vírus certos no nosso intestino.
Embora os resultados pareçam promissores, são necessárias mais investigações para confirmar estes resultados iniciais e determinar se os vírus podem prevenir a diabetes tipo 1. Portanto, Virgin e Zhao iniciaram estudos em animais para entenderem o efeito do circovírus no sistema imunológico. Para além disso, eles também querem saber se podem replicar as descobertas noutros grupos de crianças.
Vírus. Pesquisas revolucionárias dão a entender que a nova fronteira da medicina personalizada reside no Viroma. Em vez de precursores de doenças, os vírus são intrínsecos à modulação imune e à susceptibilidade à doença.
A microbiota, composta pelas trinta e oito triliões de bactérias que habitam o corpo físico, obteve uma publicidade sem precedentes nos últimos anos (1). No entanto, embora não seja do conhecimento da maioria do público, os mamíferos também são povoados por uma enorme variedade de vírus crónicos chamada de Viroma, que provocam efeitos significativos sobre a susceptibilidade à doença e na homeostase fisiológica (2).
Passando pelo inócuo até ao potencialmente letal, uma enorme variedade de elementos virais endógenos, ARN e vírus de ADN que infectam as células hospedeiras e vírus que infectam a microbiota estão presentes em todos os humanos adultos (14). A quantidade de vírus presentes na matéria fecal, de facto, rivaliza com as bactérias, com mais de um bilião de partículas virais por grama (3). Muitos vírus evitam a sua detecção, pois são novos vírus que ainda não foram classificados (4, 5).
As infecções latentes ou furtivas possibilitam aos vírus evitarem a detecção imunológica
A infecção com vários vírus do herpes, por exemplo, é uma parte inextricável da condição humana, à qual mais de 90% dos seres humanos estão sujeitos (6). Como os vírus ancestrais do herpes infectam aves, répteis e mamíferos, o investigador pioneiro e especialista de renome mundial em imunologia, virologia e doenças infecciosas, o Dr. Herbert W. “Skip” Virgin IV afirma:
“Os vírus do herpes têm-o estudado a si, de longe, mais do que você estudou o vírus do herpes”(7).
Na realidade, os vírus do herpes co-evoluíram com as linhagens específicas das espécies da especiação de mamíferos na história evolutiva (7).
Após a remoção imune da infecção primária, o vírus do herpes adopta um estado dormente chamado de latência, ao expressar um conjunto de genes alternativos que inibe as suas funções líticas centrais, um dos dois ciclos de reprodução viral (8). A latência permite que o vírus se esconda do sistema imunológico e permaneça permanentemente dentro do hospedeiro (8). Por exemplo, após a infecção aguda, o vírus do herpes simples de tipo 1 (HSV-1) replica-se nas células epiteliais e migra para os neurónios sensoriais através do terminal nervoso onde ele entra em numa fase latente da sua fortaleza, o gânglio trigeminal na dura-máter (8, 9).
A latência, que antes era considerada um estado parasitário, torna o hospedeiro vulnerável à reativação subsequente do vírus e infecções secundárias em locais periféricos (8). Os episódios recorrentes de infecção, que vão desde feridas oculares até à herpes ocular ameaçadora da visão ou encefalite de herpes neurológica, podem ocorrer com as re-activações virais sucessivas (9).
Conforme articulado por Aranda e Epstein (2015),
“A latência é um fenótipo adaptativo que permite ao vírus escapar das respostas do hospedeiro imune e reactivar-se e disseminar-se para outros hospedeiros ao reconhecer os sinais de perigo como o stresse, trauma neurológico ou privação de factores de crescimento” (8, pág. 506).
O Viroma protege contra a infecção bacteriana
Numa revisão que pode mudar o paradigma, no entanto, os investigadores descobriram que a latência pode conferir benefícios para a saúde do hospedeiro. Barton e os seus colegas (2007) descobriram que os ratos que abrigavam infecções latentes com o vírus herpesgamosa murino 68 ou citomegalovírus murino, análogos genéticos dos agentes patogênicos humanos, o vírus Epstein-Barr (o agente causador por detrás da mononucleose ou a “doença do beijo”) e o citomegalovírus humano (CMV), respectivamente, eram resistentes à infecção bacteriana por Listeria monocytogenes e Yersinia pestis (10).
O mecanismo pelo qual isso ocorreu foi por estimulação viral desencadeada pela regulação do interferão-gama de citocinas antivirais (IFNγ) (10). Por sua vez, o IFNγ provocou a activação sistêmica dos macrófagos, um subconjunto de células que são vitais para as defesas imunes inatas, não específicas, que são implantadas pela primeira vez no cenário de invasão de patógenos e podem reduzir a infectividade bacteriana (10).
A infecção com um vírus crónico efectivamente
“Regula positivamente o estado de activação basal da imunidade inata contra infecções subseqüentes” e “também pode esculpir a resposta imune a auto e antígenos ambientais através do estabelecimento de um ambiente de citocinas polarizadas” (10, p.336).
Portanto, ao invés de ser completamente patogénico,
Em indivíduos geneticamente susceptíveis, os vírus podem modificar o risco de doenças crónicas.
Por exemplo, o vírus da coriomeningite linfocítica (LCMV) pode inibir o desenvolvimento de diabetes em modelos com ratos, enquanto exacerba a glomerulonefrite, ou inflamação aguda do rim, em certas populações consanguíneas (11). Naqueles com anormalidades em genes relativos ao reconhecimento viral, incluindo o receptor tipo 7 (TLR7) e TLR9, a infecção precoce com rinovírus severo (a constipação comum) está fortemente implicada no desenvolvimento da asma (12, 13).
Os níveis de vírus de Epstein-Barr (EBV) são enriquecidos em pacientes auto-imunes com artrite reumatóide (RA), síndrome de Sjogren, lúpus eritematoso sistêmico (LES) e esclerose múltipla (MS) (14). Os investigadores especulam que a infecção crónica por EBV poderá incitar os distúrbios auto-imunes através de mecanismos que incluen mimetismo molecular (a resposta imune vira-se erroneamente contra si) ou o efeito de espectador (os auto-tecidos são apanhados no fogo cruzado) (15, 16).
Outro vírus que altera o risco de doença é o norovírus, um vírus que é culpado da grande maioria dos episódios epidémicos não bacterianos de gastroenterite (gripe estomacal) em seres humanos (17). Por exemplo, em ratos que tenham uma mutação no gene da autofagia Atg16L1, que aumenta a predisposição à doença de Crohn, a patologia intestinal foi induzida quando a infecção pelo norovírus murino estava presente (11). Quando aos ratos com a mutação Atg16L1 e o norovírus murino foi administrada a substância tóxica de sulfato de sódio de dextrano (DSS), que induz a doença inflamatória do intestino, sucedeu uma quantidade aumentada de colite induzida por DSS, bem como a presença de atrofia de vilosidade induzida por DSS significando danos intestinais aumentados, de forma semelhante ao que ocorre na doença de Crohn (11).
Em conjunto com o gene da susceptibilidade, o vírus induziu aberrações no invólucro de grânulos em células ileais de Paneth, uma célula epitelial intestinal especializada na secreção grânulos que contêm péptidos antimicrobianos e lisozimas, conteúdos que alteram o ambiente intestinal (11, 18). Essas mesmas anormalidades das células de Paneth foram observadas em seres humanos com a mutação Atg16L1, o que significa que presumivelmente o norovírus pode desencadear a expressão da doença de Crohn em seres humanos com essa propensão genética também.
Para além disso, a combinação do vírus mais a mutação genética levou a um perfil distinto da transcrição de genes. Os autores concluem que a
“Interação do gene de susceptibilidade com o vírus pode ser combinada com factores ambientais adicionais e bactérias comensais, determinando o fenótipo dos hospedeiros portadores de alelos de risco comuns para as doenças inflamatórias” (11, p. 1135).
Dito de outra forma, os vírus podem desencadear o início da doença em hospedeiros geneticamente vulneráveis.
O Viroma altera a expressão genética e o risco autoimune
No estudo acima mencionado, a presença do norovírus murino levou a mudanças substanciais na expressão génica nos animais mutantes Atg16L1 em comparação com os animais do tipo selvagem (normal) (11). Por exemplo, ocorreram inversões completas nos níveis de expressão de genes que regulam o metabolismo de carboidratos e aminoácidos, tráfico de proteína intracelular e segmentação e localização de proteínas, indicando que vulnerabilidades genéticas podem determinar a forma como as infecções virais influenciam a nossa identidade transcricional (11).
Essas alterações na expressão génica podem provocar efeitos significativos no imunofenótipo do hospedeiro. O imunofénotipo é o nível basal de activação do sistema imune após ser desafiado por antígenos, ou material imunogénico contra o qual a resposta imune é dirigida (19). Assim, mudanças na expressão dos genes devido à infecção viral crónica podem influenciar a forma como o sistema imunológico responde aos futuros invasores patogénicos.
A expressão diferencial dos genes em resposta à infecção viral também pode influenciar a susceptibilidade e a progressão da patogénese na doença crónica (19). A infecção latente com gambreherpesvirus 68 em ratos mostrou produzir a expressão diferencial dos genes do baço, cérebro e fígado, levando a mudanças marcantes no estado transcripcional dos órgãos do hospedeiro (19). A maioria das modificações na expressão génica ocorreu em genes relacionados com o sistema imune e, em particular, demonstrou-se que os vírus latente regulava a expressão dos genes que conferiram risco de doenças auto-imunes, incluindo a doença celíaca, doença de Crohn e esclerose múltipla (7, 19).
A Infecção Viral complementa a imunodeficiência
As mutações no gene Hoil-1 produzem uma desordem de imunodeficiência e inflamação crónica, o que torna as pessoas com alelos de risco extremamente susceptíveis às infecções bacterianas (7). Para examinar as implicações desta mutação, MacDuff et al. (2015) estudaram ratos com mutações equivalentes, que morreram quando infectados por certas bactérias e parasitas, incluindo a Listeria monocytogenes, Toxoplasma gondii e a Citrobacter rodentium, devido à deteriorada produção de citocinas pró-inflamatórias que são necessárias para a resistência a esses patogenos (20).
No entanto, os investigadores afirmam que a infecção pelo vírus do herpesvírus murino latente
“Resgatou os ratos deficientes em HOIL-1 contra a letalidade durante a infecção por Listeria e induziu níveis elevados de citoquina protectora, o interferão-gama (IFNγ)” (20, p.3).
O IFNγ é uma citocina que o corpo produz após a exposição viral, o que promove a neutralização de vírus com anticorpos e a morte das células infectadas por vírus através das células imunes chamadas de linfócitos T citotóxicos e células assassinas naturais (NK) (21).
Portanto, essa produção de IFNγ induzida por via viral leva a uma forma de imunomodulação que pode proteger o hospedeiro duma infecção bacteriana.
Da mesma forma, em ratos com mutações genéticas em genes imunes relacionados com as proteínas para a interleucina-6, uma molécula de sinalização intercelular inflamatória e a caspase-1 e caspase-11, enzimas que funcionam na morte celular programada, a infecção crónica por herpesvírus protege dramaticamente esses ratos imunodeficientes da infecção por Listeria monocytogenes (20). Por outras palavras, “a infecção por herpesvírus crónico estimula o sistema imunológico e, assim, permite compensar a falta de produção de citoquinas associada a várias imunodeficiências” (20, p.2).
As diferenças nos elementos virais podem explicar porque é que as pessoas com a mesma predilecção genética têm historiais clínicos muito diferentes. Este é outro exemplo de como os genes não devem ser equiparados ao destino, pois a expressão das mutações genéticas é influenciada pelos gatilhos ambientais, incluindo os elementos virais. Assim, é possível que a infecção com os vírus latentes, que desenvolvam uma relação simbiótica com o hospedeiro, pode ser uma futura estratégia terapêutica para alterar favoravelmente os historiais clínicos dos distúrbios genéticos específicos relacionados com a imunodeficiência.
Existem outros micróbios comensais que influenciam a patologia viral
O investigador Herbert W. “Skip” Virgin IV e os seus colegas desenvolveram a hipótese de que a imunidade viral e a patogénese viral seriam regidas por “interacções metagenómicas de transcrição” (7). Por outras palavras, a interacção entre todas as sequências genéticas dentro ou no hospedeiro, tanto do material genético humano quanto nos microorganismos comensais residentes no corpo humano, ditaria o curso de uma infecção viral.
Os helmintos, por exemplo, que são parasitas que infectam os mamíferos, podem promover a replicação viral por ambos inibindo os efeitos antivirais da citocina interferon-γ (IFNγ) e induzindo a produção da citocina interleucina-4 (IL-4), ambos culminando na reactivação da infecção por murídeo γ-herpesvírus (6). O helminto também activam o factor de transcrição Stat6, que desencadeia mudanças a jusante que induzem os vírus a passar de uma fase de latência para uma infecção activa (6). Neste caso, o vírus detecta e responde ao meio imunológico do hospedeiro, que é influenciado pelo helminto.
O norovírus, a causa mais prevalente da gastroenterite infecciosa aguda, é outro exemplo de um vírus que pode infectar, de forma latente, o intestino humano (22). De facto, o norovírus está presente em 21% das pessoas com deficiências imunológicas e é assintoticamente transferido para as fezes de 3 a 17% dos humanos, o que pode levar a epidemias crónicas de norovírus (23).
O norovírus representa outro exemplo de uma interacção de transplante, uma vez que a microbiota bacteriana no intestino pode promover a persistência viral deste subtipo viral. Este fenómeno foi demonstrado por uma experiência em que a administração de antibióticos, que provavelmente dizimaria a microbiota, impediu a infecção persistente do norovírus murino (MNoV) (24). No entanto, a restauração da microbiota com transplante fecal inverteu a inibição da infecção persistente do norovírus intestinal e levou à reactivação viral nos linfonodos, íleo e cólon, bem como a perda viral nas fezes (24).
A microbiota entérica, a nível mecanicista, pode perpetuar a infecciosidade dos vírus pela
“Facilitação directa da infecção viral, incluindo a estabilização bacteriana das partículas virais e a facilitação da ligação viral às células alvo do hospedeiro; e a inclinação indirecta da resposta imunitária antiviral de uma forma que promove a infecção viral “(25, p. 197).
O efeito da microbiota na infecção viral, no entanto, é mediado pelo sistema imune do hospedeiro, e certos genes relacionados com sistema imunitário são necessários para a supressão mediada por antibióticos da resposta viral. Isso é ilustrado por dados que mostram que, com os ratos que foram geneticamente manipulados para serem deficientes em certos genes, como o interferão-gama, os antibióticos não tiveram efeito na diminuição da persistência viral (24). Interferão-lambda ou interferão do tipo III, uma citocina que é usada para tratar a hepatite C em seres humanos, podem prevenir o estabelecimento de infecção persistente com norovírus intestinal e pode curar a infecção viral persistente (26).
Esses exemplos representam interações evolutivamente conservadas entre organismos de reinos divergentes, como bactérias e parasitas, juntamente com moléculas hospedeiras como o interferão, que influenciam a infectividade de vírus crónicos.
Alterações no Viroma estão relacionadas com as Doenças Autoimunes e Inflamatórias
Num estudo clínico multicêntrico, investigadores analisaram os viromas de coortes com doença intestinal inflamatória (IBD) em relação aos controlos domésticos (27). Está bem estabelecido que os pacientes com doença de Crohn e colite ulcerativa diminuíram a riqueza de espécies e a diversidade filogenética na microflora intestinal em comparação com os coortes saudáveis (27). No entanto, quando os seus viromas foram sequenciados, um número aumentado de bacteriófagos, ou vírus que infectam e se multiplicam dentro das bactérias, foram encontrados nas populações de IBD (27).
Em particular, os bacteriófagos de assinatura foram identificados como específicos do subtipo IBD, com diferentes vírus que aparecem na colite ulcerativa versus a doença de Crohn (27). Para além disso, observou-se uma expansão significativa dos bacteriófagos caudovirais tanto na colite ulcerativa como na doença de Crohn (27). Em vez de mudanças viromáticas que ocorrem secundariamente às mudanças dos microbiomas, os investigadores especulam que existe uma relação predador-presa entre o virome e o microbioma (7). Nesse paradigma, a introdução do bacteriófago muda o microbioma, alterando-o para um novo estado de equilíbrio de vulnerabilidade aumentada para a doença (7). Os investigadores concluem que
“Estes dados apoiam o modelo em que as mudanças no Viroma podem contribuir para a inflamação intestinal e a disbiose bacteriana… o Viroma é um candidato para contribuir ou ser um biomarcador da doença inflamatória intestinal humana e [nós] especulamos que o Viroma entérico pode desempenhar um papel noutras doenças “(27, p. 447).
Não só este corpo de literatura terá implicações noutros distúrbios em que a disbiose microbiana, ou o desequilíbrio bacteriano, desempenha um papel, mas também abre o caminho ao desenvolvimento de probióticos específicos da condição e até proviroticos, ou vírus que provocam efeitos benéficos sobre o hospedeiro. Também levanta questões sobre a utilidade dos probióticos já existentes no mercado, que podem ser vítimas de infecção por bacteriófagos quando ingeridos pelo hospedeiro, o que, teoricamente, pode exacerbar algumas condições.
Implicações futuras do Viroma
Em resumo, ao examinar a relação entre o genótipo, a constituição genética de um organismo e o fenótipo, ou as características observáveis resultantes da interação entre genes e meio ambiente, o Viroma deve ser levado em consideração (7). No meta-genoma, existem camadas de interacções entre bactérias, parasitas, vírus e a fisiologia do hospedeiro, que podem influenciar o risco de doença (7).
Os vírus são essenciais para a complicada e dinâmica rede de microorganismos que residem dentro do corpo (14). Está demonstrado que as infecções precoces com certos vírus durante o início da vida mudam a expressão dos genes relacionados com as respostas às vacinas em ratos e em seres humanos (7), o que pode explicar o porquê de alguns indivíduos serem mais susceptíveis de terem lesões causadas por vacinas do que outros.
Mais ainda, as vacinas podem privar o corpo dos efeitos favoráveis imuno-moduladores de algumas infecções virais. Ao contrário da visão dualista da medicina ocidental, a maioria dos vírus não são nem bons nem maus pois
“Um vírus pode ter múltiplos efeitos imunomoduladores adversos e benéficos no hospedeiro que dependem da localização anatómica, do genótipo do hospedeiro e da presença de outros agentes infecciosos e micróbios comensais “(14).
Isso confirma o que Louis Pasteur, o pai da imunização e da pasteurização, admitiu no seu leito da morte: que é o contexto bioquímico e o meio fisiológico que importa, e não o patogeno infeccioso (Tracey, 2017).
Esta pesquisa representa uma revisão fundamental do que significa ser humano, e uma expansão sobre a hipótese do Dr. Justin Sonnenberg de Stanford, de que os seres humanos podem ser apenas elaborados veículos biológicos projectados para a propagação de colónias bacterianas. A fisiologia humana e a expressão genética são influenciadas por uma amálgama de organismos que transcendem designações filogenéticas. Como esta área do conhecimento ainda está na sua infância, o Viroma é um terreno e uma oportunidade por explorar, para delinear como os vírus modulam de forma favorável ou desfavorável a biologia humana.
Referências
1. Sender, R., Fuchs, S., & Milo, R. (2016). Revisited estimates for the number of human and bacterial cells in the body. PLOS Biology, 14(6), e1002533.
2. Virgin, H.W. (2014). The Virome in Mammalian Physiology and Disease. Cell, 157, 142-150.
3. Kim, M.S. et al. (2011). Diversity and abundance of single-stranded DNA viruses in human feces. Applied and Environmental Microbiology, 77, 8062–8070.
4. Finkbeiner, S.R. et al. (2008). Metagenomic analysis of human diarrhea: viral detection and discovery. PLoS Pathology, 4, e1000011.
5. Firth, C. et al. (2014). Detection of zoonotic pathogens and characterization of novel viruses carried by commensal Rattus norvegicus in New York City. mBio, 5, e01933–01914.
6. Reese, T.A. et al. (2014). Helminth infection reactivates latent γ-herpesvirus via cytokine competition at a viral promoter. Science, 345(6196), 573-577. doi: 10.1126/science.1254517.
7. NIH Center for Information and Technology. [nihvcast]. (2015). The mammalian virome in genetic analysis of health and disease pathogenesis. Retrieved from https://www.youtube.com/watch?v=TRVxTBuvChU
8. Aranda, A.M., & Epstein, A.L. (2015). [Herpes simplex virus type 1 latency and reactivation: an update] [Article in French]. Medical Science (Paris), 31(5), 506-514. [Herpes simplex virus type 1 latency and reactivation: an update].
9. Held, K., & Derfuss, T. (2011). Control of HSV-1 latency in human trigeminal ganglia– current overview. Journal of Neurovirology, 17(6), 518-527. doi: 10.1007/s13365-011- 0063-0
10. Barton, E.S. et al. (2007). Herpesvirus latency confers symbiotic protection from bacterial infection. Nature, 447(7142), 326-329.
11. Cadwell, K. et al. (2010). Virus-plus- susceptibility gene interaction determines Crohn's disease gene Atg16L1 phenotypes in intestine. Cell, 141(7), 1135-1145. doi: 10.1016/j.cell.2010.05.009.
12. Bartlett, N.W. et al. (2009). Genetics and epidemiology: asthma and infection. Current Opinion in Allergy and Clinical Immunology, 9, 395–400.
13. Foxman, E.F., & Iwasaki, A. (2011). Genome-virome interactions: examining the role of common viral infections in complex disease. Nature Reviews Microbiology, 9, 254–264.
14. Cadwell, K. et al. (2015). The virome in host health and disease. Immunity, 42(5), 805-813.
15. Draborg, A.H., Duus, K., & Houen, G. (2013). Epstein-Barr virus in systemic autoimmune diseases. Clinical & developmental immunology, 35738.
16. Munz, C. et al. (2009). Antiviral immune responses: triggers of or triggered by autoimmunity? Nature Reviews Immunology, 9, 246–258.
17. Mead, P.S. et al. (1999). Food-related illness and death in the United States. Emerging Infectious Diseases, 5, 607-625.
18. Cadwell, K. et al. (2008). A key role for autophagy and the autophagy gene Atg16l1 in mouse and human intestinal Paneth cells. Nature, 456(7219), 259-263. doi: 10.1038/nature07416
19. Canny, S.P. et al. (2013). Latent gammaherpesvirus 68 infection induces distinct transcriptional changes in different organs. Journal of Virology, 88, 730-738.
20. MacDuff, D.A. et al. (2015). Phenotypic complementation of genetic immunodeficiency by chronic herpesvirus infection. eLIFE, 4, e4494.
21. Takeuchi, O., & Akira, S. (2009). Innate immunity to virus infection. Immunological Reviews, 227, 75–86.
22. Teunis, P.F. et al. (2015). Shedding of norovirus in symptomatic and asymptomatic infections. Epidemiology of Infection, 143(8), 1710-1717. doi: 10.1017/S095026881400274X.
23. Bok, K. et al. (2016). Epidemiology of Norovirus Infection Among Immunocompromised Patients at a Tertiary Care Research Hospital, 2010–2013. Open Forum on Infectious disease, 3(3), ofw169. doi: 10.1093/ofid/ofw169
24. Baldridge, M.T. et al. (2015). Commensal microbes and interferon-λ determine persistence of enteric murine norovirus infection. Science, 347(6219), 266-269. doi: 10.1126/science.1258025
25. Karst, S.M. et al. (2016). The influence of commensal bacteria on infection with enteric viruses. Nature Reviews Microbiology, 13, 197-204. doi:10.1038/nrmicro.2015.25
26. Nice, T.J. et al. (2015). Interferon-λ cures persistent murine norovirus infection in the absence of adaptive immunity. Science, 6219, 269-273. doi: 10.1126/science.1258100.
27. Norman, J.M. et al. (2015). Disease-specific alterations in the enteric virome in inflammatory bowel disease. Cell, 160(3), 447-460. doi: 10.1016/j.cell.2015.01.002.
28. Tracey, K.J. (2017). The inflammatory reflex. Nature, 420, 853–859.
O jejum, um pilar de praticamente todas as tradições culturais e religiosas na Terra, é uma ferramenta essencial na gestão da doença auto-imune e deve ser considerado como uma intervenção terapêutica em pacientes de doenças auto-imunes, a fim de se melhorar os parâmetros metabólicos e imunes.
O Jejum: uma faceta negligenciada da Condição Humana
Ao longo de milénios o jejum tem sido um dos rituais de ancoragem de diversas tradições espirituais. Por exemplo, todas as principais religiões do mundo, incluindo o hinduísmo, o budismo, o islamismo, o cristianismo e o judaísmo defendem doutrinas religiosas que prescrevem jejum em dias designados (1). Para além disso, o jejum é uma prática enraizada na biologia evolutiva já que, ao longo da história evolutiva, os corpos humanos adaptaram-se a períodos de festa e fome. Matrona e os colegas articulam isso desta forma:
“Como os animais, incluindo os humanos, evoluíram em ambientes onde os alimentos eram relativamente escassos, eles desenvolveram inúmeras adaptações que lhes permitiram funcionar a um nível muito elevado, tanto fisica como cognitivamente, quando se encontram em estados de privação de alimentos / jejum continuado” (2).
Em contraste, as populações humanas contemporâneas são vítimas da falsa noção, socioculturalmente construída, de que três refeições quadradas por dia dão saúde. No entanto, os padrões alimentares ad libitum e o consumo excessivo de alimentos levam, provavelmente, a distúrbios metabólicos, como a resistência à insulina, adiposidade visceral e disfunção endotelial, em particular quando acoplados a um estilo de vida sedentário (2). Estas morbidades metabólicas são o precursor de muitas das latentes e degenerativas doenças da sociedade moderna, como doenças cardiovasculares, diabetes e doenças auto-imunes.
Benefícios do jejum para o envelhecimento e doenças
Por outro lado, a restrição calórica (RC) mostrou aumentar a longevidade e mitigar a doença, porque:
“Os mecanismos celulares e moleculares responsáveis pelos efeitos protectores da RC provavelmente evoluíram biliões de anos antes em procariotas que tentavam sobreviver num ambiente em grande parte, ou completamente, desprovido de fontes de energia, evitando dessa forma os danos dependentes da idade que possam comprometer a aptidão ” (1, p.2).
Esses processos são conservados desde as formas de vida inferiores até às mais elevadas.
Por exemplo, quando a Escherichia coli (E. coli) é trocada dum caldo rico em nutrientes para um meio sem calorias, a sua expectativa de vida cronológica é estendida por um factor de quatro (3). Da mesma forma, as células de transição Saccharomyces cerevisiae (S. cerevisiae), ou levedura de cerveja comum, duma cultura de crescimento padrão para a água, constantemente multiplicam a sua vida útil duas vezes e o que leva a aumentos dramáticos na resistência ao estresse (4, 5). Igualmente, a diluição ou redução de alimentos prolonga de forma confiável o tempo de vida da Drosophila melanogaster, a mosca comum da fruta (6). Para além disso, submeter o nematóide Caenorhabditis elegans (C. elegans) à privação de alimentos também resulta num aumento importante da vida útil (7, 8).
Conforme discutido por Longo e Mattson (2014),
“Notavelmente, quando colocadas em condições de privação de alimentos, as bactérias e leveduras entram num modo hipometabólico que lhes permite minimizar o uso de fontes de carbono de reserva e também pode acumular elevados níveis de cetona semelhantes às do corpo – como o ácido acético, analogamente ao que acontece com os mamíferos “(1, p.2).
Estudos em modelos animais e em seres humanos destacaram que diferentes modelos de jejum, incluindo o jejum intermitente (IF), dietas mímicas de jejum (FMD), alimentação com restrição de tempo (TRF) e jejum periódico (PF), influenciam favoravelmente vários parâmetros de saúde e podem provocar resultados positivos na doença de Alzheimer, Parkinson, doença cerebrovascular, diabetes, doença cardíaca coronária, cancro e numa série de outras doenças crônicas (2).
Evidências que apoiam o jejum na auto-imunidade
Relativamente à doença auto-imune em particular, o jejum demonstrou reduzir a permeabilidade intestinal paracelular patológica, o precursor de todas as doenças auto-imunes (9). Juntamente com a predisposição genética e um gatilho ambiental, a integridade comprometida da barreira intestinal é um pré-requisito para o desenvolvimento das doenças auto-imunes (9). A violação da arquitectura de junção apertada é fundamental para a perda de tolerância oral, uma vez que a hiperpermeabilidade intestinal permite a translocação de antígenos, substâncias tóxicas e micróbios não digeridos, através da barreira mucosa, provocando uma resposta imune do tecido linfático associado ao intestino (GALT) , que pode se manifestar como doença auto-imune (9). A este respeito, o jejum é uma ajuda incrível, uma vez que
“O processo autoimune pode ser parado se a interacção entre os genes e desencadeantes ambientais for impedida pelo restabelecimento da função de barreira intestinal” (10).
Em particular, o agrupamento de dados provenientes de quatro estudos controlados elucidou que o jejum seguido por uma dieta vegetariana melhora a sintomatologia da doença e produz um benefício clínico significativo a longo prazo na artrite reumatóide (11). Outro estudo também demonstrou que o jejum prolongado por sete a dez dias leva a uma melhoria clínica significativa na artrite reumatóide, embora as melhorias fossem perdidas quando os hábitos alimentares normais fossem retomados, sugerindo que ciclos de jejum e re-alimentação podem ser necessários (12). Da mesma forma, outro estudo destacou que o jejum levou a um declínio na actividade da doença, medido por uma pontuação clínica de seis itens diferentes, em pacientes com artrite reumatoide, acompanhada da diminuição da permeabilidade intestinal e extra intestinal (13). Para além disso, num estudo de caso notável que incluiu pacientes com artrite reumatoide, fibromialgia e doença mista do tecido conjuntivo, o jejum prolongado seguido de uma dieta vegana permitiu diminuir os medicamentos e levaram os pacientes à ausência de sintomas ou com sintomas mínimos posteriormente (14).
Existe também um suporte empírico para uma dieta imitadora de jejum (FMD) na esclerose múltipla. Impressionantemente, demonstrou-se que a febre aftosa induz a regeneração de células precursoras de oligodendrócitos e axónios remielinados na encefalomielite autoimune experimental (EAE), o modelo de esclerose múltipla com espécies específicas de ratos de laboratório (15). De facto,
“A febre aftosa administrada todas as semanas foi eficaz para melhorar os sintomas de EAE em todos os ratos e reverteu completamente a progressão da doença numa porção dos animais após o início dos sinais de EAE” (15, p.221).
Neste estudo, foram realizadas reduções nas citocinas pró-inflamatórias, populações patogénicas de células Th1 e Th17 e números de células apresentadoras de antígenos, enquanto as células T reguladoras, o subconjunto de linfócitos responsáveis pelo equilíbrio Th1-Th2-Th17 e a atenuação das respostas auto-imunes, foi expandido (15). A supressão da auto-imunidade também ocorreu tanto pela indução de apoptose linfocitária quanto pelo aumento nos níveis de corticosterona (15).
Para além disso, num ensaio piloto aleatório de grupo paralelo e com 3 vertentes, um único ciclo de febre aftosa durante sete dias, seguido duma dieta mediterrânea de seis meses, melhorou significativamente a qualidade de vida em comparação com uma dieta cetogénica (KD) e com o grupo de controlo grupo em pacientes com esclerose múltipla recidivante-remitente (RRMS) (15). Tanto o KD como o factor de febre aftosa também levaram a uma leve redução na pontuação da escala de estado de incapacidade expandida (EDSS), que estavam inversamente correlacionados com a qualidade de vida relativa à saúde (QVRS) (15). Em ambos os grupos de febre aftosa e KD, observaram-se pequenas reduções na contagem de glóbulos brancos e linfócitos, juntamente com o aumento do beta-hidroxibutirato plasmático, um corpo de cetona indicativo de indução de cetose terapêutica (15). Para além disso, no dia oito do jejum, a febre aftosa produziu um declínio de 20% na contagem total de linfócitos em 72% dos pacientes, o que os autores sugerem que pode melhorar os sintomas de esclerose múltipla através de reduções nos linfócitos auto-reactivos (15). No entanto, os níveis de linfócitos auto-imunes retornaram aos níveis basais no terceiro mês, depois dos pacientes serem transferidos para uma dieta mediterrânea, sugerindo novamente que os ciclos contínuos de jejum são necessários para manter os benefícios clínicos (15).
Mecanismos Moleculares dos Benefícios alcançados pelo Jejum
Mecanicamente, o jejum pode desencadear a síntese de glicocorticóides, o equivalente endógeno dos esteróides que são administrados a pacientes auto-imunes para reduzir a inflamação (15). Da mesma forma, o jejum atenua o estresse oxidativo, confere citoproteção, optimiza o metabolismo energético e reforça a resistência ao stresse aumentando o tom parassimpático (1). A actividade parasimpática aumentada pode melhorar o eixo cérebro-intestino, os meios de comunicação bidireccionais entre o sistema nervoso central e o sistema imunológico, levando a uma melhor motilidade intestinal, fluxo sanguíneo e secreções gástricas, redução da frequência cardíaca e pressão arterial e aumento da variabilidade da frequência cardíaca, a última gerando um melhor equilíbrio autonómico (2, 16). Uma melhor regulação do eixo do intestino-cérebro permite que o cérebro estimule as fibras vagais eferentes que inervam os receptores colinérgicos nicotínicos nas células imunes, modulando assim o sistema imunológico periférico numa direcção anti-inflamatória (17, 18, 19). Para além disso, a neurotransmissão antiinflamatória colinérgica aprimorada através do nervo vagal inibe a libertação de citocinas das células gliais, leucócitos e macrófagos, de modo que essas moléculas de sinalização intercelular pró-inflamatória envolvidas na patogénese autoimune são suprimidas (20).
Os mecanismos de reparação baseados no ADN, a regeneração baseada em células-tronco e autofagia das células mortas, detritos e placas beta amilóides e proteína tau, ambas implicadas nas doenças neurodegenerativas, também são promovidas pelo jejum (2). A autofagia, o processo de degradação da proteína e o volume de trocas dos outros constituintes celulares, são fundamentais para a manutenção da homeostase. Ao nível do cérebro, o jejum aumenta a função e cognição executivas, a plasticidade sináptica, a neurogénese, a biogénese mitocondrial, a síntese de factores neurotróficos e melhora a inflamação (1, 2).
Para além disso, o jejum pode mediar um efeito anti-inflamatório através da modulação do alvo mecanicista da rapamicina (mTORC) ou da proteína quinase activada com monofosfato de adenosina (AMPK), sensores intracelulares que integram as vias ambientais e a detecção de acessibilidade de nutrientes para ditar o destino das células (21). Em particular, o mTORC1 é considerado um determinante positivo crítico e um reostato das acções imunossupressoras de Tregs, que acopla os sinais imunes e a programação metabólica no estabelecimento da competência funcional das populações de Treg (22). A noção de que o jejum alivia a auto-imunidade através desses mecanismos moleculares é apoiada por estudos que mostram que o agonista da AMPK, a metformina ou o inibidor de mTORC1, a rapamicina, aliviam a EAE diminuindo as células T efectoras, aumentando as células de Treg e proibindo a infiltração do sistema nervoso central por células mononucleares (23, 24). Assim, o jejum pode ser eficaz na prevenção do recrutamento de células imunes em locais de lesões auto-imunes (15).
Mais ianda, o jejum leva a reduções significativas nos níveis de leptina, uma adipocina pró-inflamatória elevada na artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistémico, diabetes tipo 1, hepatite auto-imune, esclerose múltipla, doença de Behcet, psoríase e colite ulcerativa (25, 26). Isso tem o efeito de regular as células T reguladoras CD4 + CD25 + Foxp3 +, o subconjunto de células imunes que induzem a tolerância imune periférica, são esgotados nas doenças auto-imunes e são inibidos pela leptina (26). O jejum também melhora a produção de cetona, a sensibilidade à insulina, a glicogenólise hepática, a lipólise do tecido adiposo e a actividade anabólica no músculo, todos promovendo a correcção metabólica (1, 2). Uma revisão da literatura também revela que o jejum melhora muitos outros biomarcadores metabólicos, como a glicose, lipídios, leptina e adiponectina (Patterson et al., 2015). Aumentos na adiponectina, que ocorre com jejum, são favoráveis, uma vez que os níveis dessa adipocina derivada de tecido adiposo anti-inflamatório estão comprometidos na esclerose múltipla, psoríase e Sjogren (25).
Jejum para dormir, desintoxicar e controlar o ritmo circadiano
O jejum também pode produzir melhorias cardiometabólicas alavancando e sincronizando a biologia do ritmo circadiano. De acordo com Patterson e os seus colegas (2015),
“É uma hipótese que alguns regimes de jejum e alimentação com restrições no tempo impõem um ritmo diurno na ingestão de alimentos, resultando em oscilações melhoradas na expressão de genes do relógio circadiano que reprogramam os mecanismos moleculares do metabolismo energético e regulação do peso corporal “(27, p.7).
Para além disso, o jejum pode mudar as populações de microbiota para uma composição mais saudável, de modo que colhem menos energia da dieta e afectam favoravelmente o gasto de energia e o armazenamento (27). Esse efeito também pode ser mediado através do ritmo circadiano, uma vez que a perturbação das flutuações diurnas e da disbiose da microbiota tem sido associada à intolerância à glicose e à obesidade (28).
Os regimes de jejum podem modificar o consumo de energia, restringindo as horas disponíveis para comer e alterando os níveis de hormonas reguladoras do apetite, como a leptina, a grelina e a xenina, reduzindo o risco de obesidade (Patterson et al., 2015).
Finalmente, o jejum pode melhorar a qualidade do sono, mitigar o risco de obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares e cancro, uma vez que
“Comer refeições em períodos circadianos anormais (ou seja, muito tarde à noite) foi teorizado que pode levar a dessincronização circadiana e subsequente ruptura dos padrões de sono normais” (27, p.8).
A melhoria do sono por si só pode ajudar nas estratégias de jejum, uma vez que o sono pode facilitar a excreção de produtos tóxicos implicados na auto-imunidade. Afinal,
“…dormir, no nível comportamental, é um processo de restituição neuronal e de desintoxicação ao nível celular” (29, p.91).
O sono restaurador e um ritmo circadiano normalizado aumentam a troca convectiva do líquido cefalorraquidiano com fluido intersticial o que, por sua vez, aumenta a depuração das placas de β-amilóide e de outros resíduos neurotóxicos que se acumulam no sistema nervoso central através do sistema linfático recentemente descoberto do cérebro (30, 31). Para além disso, demonstrou-se que as enzimas das três fases hepáticas da desintoxicação, bem como os receptores nucleares responsivos a drogas, funcionam num ritmo circadiano, de modo que um relógio biológico perturbado, que surge na auto-imunidade, pode levar à patologia induzida por tóxicos e metabolismos alterados do fármaco (29).
Finalmente, o jejum representa a redução final da carga antigénica. Por outras palavras, o jejum proporciona ao corpo um hiato nas demandas, energeticamente intensivas, dos processos digestivos e reduz temporariamente a exposição do trato digestivo às proteínas alimentares que podem estar a contribuir para a inflamação através de alergenicidade ou outras reações alimentares imunes mediadas. Portanto, dada a sua segurança, eficácia e benefícios para a saúde que transmite, o jejum pode ser uma opção viável para a inclusão de um regime holístico de “remédios como medicamentos” para o bem-estar autoimune.
Referências do artigo:
1. Longo, V. D., & Mattson, M. P. (2014). Fasting: Molecular Mechanisms and Clinical Applications. Cell Metabolism, 2, 181. doi:10.1016/j.cmet.2013.12.008
2. Mattson, M. P., Longo, V. D., & Harvie, M. (2016). Review: Impact of intermittent fasting on health and disease processes. Aging Research Reviews, 16, S1568-S1637. doi:10.1016/j.arr. 2016.10.005
3. Gonidakis, S., Finkel, S.E., & Longo, V.D. (2010). Genome-wide screen identifies Escherichia coli TCA-cycle- related mutants with extended chronological lifespan dependent on acetate metabolism and the hypoxia-inducible transcription factor ArcA. Aging Cell, 9, 868–881.
4. Longo, V.D., Ellerby, L.M., Bredesen, D.E., Valentine, J.S., & Gralla, E.B. (1997). Human Bcl-2 reverses survival defects in yeast lacking superoxide dismutase and delays death of wild-type yeast. Journal of Cell Biology, 137, 1581–1588.
5. Longo, V.D., Shadel, G.S., Kaeberlein, M., & Kennedy, B. (2012). Replicative and chronological aging in Saccharomyces cerevisiae. Cell Metabolism, 16, 18–31.
6. Piper, M.D., & Partridge, L. (2007). Dietary restriction in Drosophila: delayed aging or experimental artefact? PLoS Genetics, 3, e57.
7. Lee, G.D., Wilson, M.A., Zhu, M., Wolkow, C.A., de Cabo, R., Ingram, D.K., & Zou, S. (2006). Dietary deprivation extends lifespan in Caenorhabditis elegans. Aging Cell, 5, 515–524.
8. Kaeberlein, T.L., Smith, E.D., Tsuchiya, M., Welton, K.L., Thomas, J.H., Fields, S.,…Kaeberlein M. (2006). Lifespan extension in Caenorhabditis elegans by complete removal of food. Aging Cell, 5, 487–494.
9. Fasano, A. (2012). Leaky gut and autoimmune disease. Clinical Reviews in Allergy and Immunology, 42(1), 71-78.
10. Fasano, A., & Shea-Donohue, T. (2005). Mechanisms of disease: the role of intestinal barrier function in the pathogenesis of gastrointestinal autoimmune diseases. National Clinical Practice in Gastroenterology & Hepatology, 2(9), 416-422.
11. Muller, H., de Toledo, F.W., & Resch, K.L. (2001). Fasting followed by vegetarian diet in patients with rheumatoid arthritis: a systematic review. Scandinavian Journal of Rheumatology, 30, 1–10.
12. Skoldstam, L., & Magnusson, K.E. (1991). Fasting, intestinal permeability, and rheumatoid arthritis. Rheumatological Disease Clinics of North America, 17(2), 363-371.
13. Sundqvist, T., Lindstrom, F., Magnesson, K.E., Skoldstam, L., Stjernstrom, I., & Tagesson, C. (1982). Influence of fasting on intestinal permeability and disease activity in patients with rheumatoid arthritis. Scandinavian Journal of Rheumatology, 11(1), 33-38.
14. Fuhrman, J., Sarter, B., & Carabro, D.J. (2002). Brief case reports of medically supervised, water-only fasting associated with remission of autoimmune disease. Alternative Therapies in Health and Medicine, 8(4), 110-111.
15. Choi, I.Y., Piccio, L., Childress, P., Bollman, B., Ghosh, A., Brandhorst, S., & … Longo, V. D. (2016). A Diet Mimicking Fasting Promotes Regeneration and Reduces Autoimmunity and Multiple Sclerosis Symptoms. Cell Reports, 15(10), 2136-2146.
16. Studer, V., Rocchi, C., Motta, C., Lauretti, B., Peugini, J., Brambilla, L.,…Rossi, S. (2017). Heart rate variability is differentially altered in multiple sclerosis: implications for acute, worsening and progressive disability. Multiple Sclerosis Journal of Experimental and Translational Clinics, 3(2), eCollection Apr-Jun.
17. Levy, G., Jodan, E., Fishman, M.D., Da-Zhong, X., Dong, W., Palange, D.,…Ditch, E.A. (2012). Vagal nerve stimulation modulates gut injury and lung permeability in trauma-hemorrhagic shock. Journal of Trauma, Acute Care, and Surgery, 73(2), 338-342. doi:10.1097/TA.0b013e31825debd3.
18. Ulloa, L. (2005). The vagus nerve and the nicotinic anti-inflammatory pathway. Nature Reviews in Drug Discovery, 4, 673–684.
19. Wang, H., Yu, M., Ochani, M., Amella, C.A., Tanovic, M., Susarla, S.,…Tracey, K.J. (2003). Nicotinic acetylcholine receptor alpha7 subunit is an essential regulator of inflammation. Nature, 421, 384–388.
20. Tracey, K.J. (2017). Physiology and immunology of the cholinergic anti-inflammatory pathway. The Journal of Clinical Investigation, 117, 289-296.
21. Laplante, M., & Sabatini, D.M. (2012). mTOR signaling in growth control and disease. Cell, 149, 274–293.
22. Zeng, H., Yang, K., Cloer, C., Neale, G., Vogel, P., & Chi, H. (2013). mTORC1 couples immune signals and metabolic programming to establish T(reg)-cell function. Nature, 499(7459), 485-490. doi: 10.1038/nature12297.
23. Nath, N., Khan, M., Paintlia, M.K., Singh, I., Hoda, M.N., and Giri, S. (2009). Metformin attenuated the autoimmune disease of the central nervous system in animal models of multiple sclerosis. Journal of Immunology, 182, 8005–8014.
24. Esposito, M., Ruffini, F., Bellone, M., Gagliani, N., Battaglia, M., Martino, G., and Furlan, R. (2010). Rapamycin inhibits relapsing experimental autoimmune encephalomyelitis by both effector and regulatory T cells modulation. Journal of Neuroimmunology, 220, 52–63.
25. Hutcheson, J. (2015). Adipokines influence the inflammatory balance in autoimmunity. Cytokine, 2, 272. doi:10.1016/j.cyto.2015.04.004
26. Liu, Y., Yu, Y., Matarese, G., & La Cava, A. (2012). Cutting edge: fasting-induced hypoleptinemia expands functional regulatory T cells in systemic lupus erythematosus. Journal of Immunology, 188(5), 2070-2073.
27. Patterson, R.E., Laughlin, G.A., LaCroix, A.Z., Hartman, S.J., Natarajan, L., Senger, C.M., & … Gallo, L. C. (2015). Practice Applications: Intermittent Fasting and Human Metabolic Health. Journal Of The Academy Of Nutrition And Dietetics, 115(8), 1203-1212. doi:10.1016/j.jand. 2015.02.018
28. Thaiss, C.A., Zeevi, D., Levy, M., Ailberman-Schapira, G.Z., Suez, J., Tengeler, A.C.,…Elinav, E. (2014). Transkingdom control of microbiota diurnal oscillations promotes metabolic homeostasis. Cell, 159, 514–529.
29. Inoue, S., Honda, K., & Komoda, Y. (1995). Sleep as neuronal detoxification and restitution. Behavior and Brain Research, 69(1-2), 91-96.
30. Xiu, L., Kang, H., Xu, Q., Chen, M.J., Liao, Y.,…Nedergaard, M. (2013). Sleep drives metabolite clearance from the adult brain. Science, 342(6156), 373-377. doi: 10.1126/ science.1241224.
31. Mendelsohn, A.R., & Larrick, J.W. (2013). Sleep facilitates clearance of metabolites from the brain: glymphatic function in aging and neurodegenerative diseases. Rejuvenation Research, 16(6), 518-523. doi: 10.1089/rej.2013.1530.
You must be logged in to post a comment.